O tempo de regresso à natureza

Um problema de saúde fez acelerar os planos de Carla e Fernando, que deixaram a vida mais agitada no Porto para lançarem em Mondim de Basto um negócio para toda a família.

Uma vida agitada, entre o trabalho na comunicação de uma marca de artigos de luxo e a casa da família no Porto, foi interrompida de forma abrupta. Carla Costa vivia uma vida boa, sem aparato, mas com fácil acesso aos confortos que a cidade grande oferece. A moeda de troca desta vida era o stress, numa espécie de compromisso entre conforto, o acesso ao consumo e uma cadência de trabalho tão intensa que levava a nossa protagonista a atravessar os dias enquanto sonhava com o descanso semanal junto dos entes queridos, neste caso, na terra que a viu nascer, Mondim de Basto. A sua saída, anos antes, foi num registo que já todos assumem como o mais normal: nascer, crescer e partir para estudar ou para ganhar a vida. Um movimento similar a tantos conterrâneos que como ela fizeram o percurso de se dirigir ao litoral.

A ideia de voltar à terra era partilhada há muito pelo marido Fernando, mas posta em prática depois de um episódio grave de saúde que a levou, sem aviso prévio, a ser submetida a uma operação de urgência de dezasseis horas. Este momento surgiu transformado num sinal emitido para a família: era preciso mudar imediatamente. O evento traumático ativou-lhe uma espécie de instinto de sobrevivência e a ideia de que eram menos importantes os recursos económicos e mais valioso ter tempo para viver. O tempo, como nos recorda, é um bem que muitas vezes ignoramos em busca do conforto imediato. Esquecemos o quão valioso é ter tempo para viver, usufruir da família e estar com os amigos. Este bem precioso, aliado ao reencontro com o amor à paisagem deslumbrante em torno de Mondim, vila encaixada entre Trás-os-Montes e o Minho, permitiu à antiga diretora de comunicação entender que havia lugar para promover um dos grandes atributos da região, o turismo de natureza.

Os números publicados pelo Turismo de Portugal referentes a 2019, ano seguinte à tomada desta opção pela família, explicam a preferência dos investidores por negócios relacionados com o universo do turismo. Num mundo anterior à pandemia da covid-19, as atividades turísticas foram responsáveis por 52,3% das exportações de serviços, por 19,7% das exportações totais e as receitas turísticas registaram um contributo de 8,7% para o PIB nacional.

Números em crescimento e em sintonia com a diversificação de mercados, tudo porque além de maior número de turistas portugueses existiu um crescimento expressivo dos mercados americano e brasileiro. Uma série de prémios de reconhecimento internacional ajudaram a colocar empreendedores com o foco virado para as potencialidades naturais do território, como a empresa de passeios que Carla criou. Com objetivo de explorar trilhos na Serra do Alvão e do Marão, em contacto próximo com os habitantes locais e em colaboração com agricultores, pastores e criadores de gado da raça maronesa a mondinense, experiente na área da comunicação e do marketing, vislumbrou uma tendência de crescimento de turistas que procuram vivências autênticas e de contactar com quem vive em harmonia com a natureza.

Na companhia de Carla e o seu marido, visitámos cursos de água e serras, fomos encontrando alguns pastores com quem costuma trabalhar e com quem o casal tem notória afinidade. Fernando, seu companheiro de uma vida, vai resgatando pedras e pedaços de madeira que mais tarde, quando chegar à sua oficina caseira, transformará em animais fantásticos que colocará à venda. Mais uma achega para este trabalho que se transformou num negócio de toda a família. Este mundo arrebata alguns dos seus clientes, que como ela também estão saturados do rolo compressor da vida de cidade e até já levou alguns a considerar seguir os passos desta família resoluta.

Sempre disponível para ajudar a trazer gente para o interior, relembra a importância de uma boa organização e da existência de um espaço próprio para a vida familiar capaz de fortificar o tempo que tem para estar e ver crescer os filhos gémeos de nove anos. Para que tudo corra bem, remata, “este é um projeto de toda a família, é disso que se trata, um projeto que só faz sentido em família”.

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